28 de fevereiro de 2015

Romaria Ciclística - Dia III - Silveiras X Passa Três

Saída de Silveiras, 21 de dezembro
Domingo chegara. Dia de arrumar as coisas e voltar para casa. Mais 140 km e a Romaria chegaria ao fim na mesma Passa Três que nos viu sair antes do sol nascer. Mais um dia de pedaladas com os amigos e mais um capítulo em nossa história.
Neste último dia as meninas não iriam pedalar, mas nos seguiriam com os demais carros de apoio; portanto, logo cedo, as deixamos dormindo na pousada. Marcão, Vinny e eu fomos encontrar os outros romeiros na padaria do centro de Silveiras. Desta vez sairíamos alimentados e, apesar do cansaço, dispostos para mais um dia sobre o selim, girando os pedais para crescermos intimamente.
Desde que começamos a volta, meu pensamento pairava no Morro Frio. Embora não fosse nele que eu pensara em desistir no primeiro dia, foi a sua elevação somada ao forte calor que me retirara todas as forças para os últimos quilômetros, portanto eu o temia. Não por isso iria fraquejar quando chegasse a hora em que nos encontraríamos de novo. Desta vez eu não estaria tão cansado a ponto de pensar em jogar a toalha, ele estaria sob as rodas da minha bicicleta, não em 100km rodados, mas em apenas 40km.
Tranquilos, pedalamos sem pressa pela rodovia vazia naquele domingo de manhã. Conversávamos sobre  trivialidades, contávamos “causos” de bicicleta e, com o giro constante da pedivela, subíamos e descíamos os morros até a primeira parada.
Quando Denise caiu sobre Vinny no dia anterior, voltando de Aparecida, empenou alguns raios e desregulou o câmbio traseiro da Scale. Vinny reclamava da troca de marchas sempre que precisava subi-las. Quando fizemos a parada, Vítor conseguiu amenizar o problema. Com todas as marchas funcionando, o ritmo do Vinny aumentou e o prazer sobre a bicicleta reapareceu. Voltamos para estrada. Areias se aproximava.
Morro Frio
Começamos a subida do Morro Frio. Já havíamos subido dois longos morros antes, mas o impacto do vil inimigo era ainda forte. Iniciamos a subida com mais terror psicológico do que realmente esforço. Num ritmo leve, de passeio, fomos ganhando metros e mais metros, enquanto o suor escorria pelo rosto e as pernas giravam numa cadência suportável. Na volta o Morro Frio não era assim tão imponente. Um a um íamos vencendo-o. O algoz estava derrotado. Fizemos uma pausa para reunir todos novamente e nos prepararmos para uma bela, e rápida, descida pelos 3,5km que ainda me dão calafrios.
Alberto e Luciano, no Morro Frio
Prosseguimos o pedal até a próxima parada. O clima perfeito nos ajudava. Temperatura agradável, sem sol, sem chuva. Logo as meninas nos encontraram e se juntaram aos demais carros de apoio. A próxima parada seria para o almoço.
Almoçamos num pequeno restaurante, mas de comida farta e muito saborosa. Em seguida, descansamos um pouco antes de retornar a estrada. Apesar do pouco tempo de repouso, o corpo agradeceu. Diferente do primeiro dia, estávamos dentro do horário e não precisávamos sair às pressas para manter o cronograma. Trinta santos minutos que fizeram a energia retornar aos músculos em frangalhos.
Encaramos mais subidas cansativas, descidas divertidas, planos monótonos, retas velozes, grupos se formando, grupos se dissipando e criando novos grupos, seguimos assim até chegarmos à última parada, já próximos de Passa Três. Faltava pouco para terminar a romaria, pouco para completar mais um Gran Fondo, pouco para comemorar a vitória sobre as diversidades do caminho e também da vida.
Os longos quilômetros iam chegando ao fim. Sentia uma sensação de alívio, ao mesmo tempo de vazio. Os três dias de convívio estavam chegando ao fim, na última parte da estrada, no final de uma bela jornada. Seguíamos enfileirados, ninguém escapado à frente, ninguém sobrado atrás; estávamos todos juntos, no mesmo ritmo, na mesma cadência. E foi assim, juntos, que entramos na pequena cidade.
Ao ver as primeiras casas, as primeiras pessoas a saírem para nos parabenizar com acenos e palmas, meus olhos marejaram, como marejam agora. Um sentimento de conquista me invadiu, a vitória sobre as dificuldades, os momentos difíceis em que pensei em desistir, a alegria de completar cada etapa, a valorização das pequenas coisas. Havíamos chegado. As pessoas acenavam nos felicitando. E eu, na minha pequenez diante de um tão grande momento, agradecia por poder viver a emoção de compartilhar com os amigos os mesmos sentimentos. Subimos o morro que marcava a nossa chegada, parando na igreja.
Ao desmontar da bicicleta depois daqueles quatrocentos quilômetros, tinha uma certeza: no próximo ano, estaria com os amigos de novo. Todo o sofrimento, todo o esforço foram recompensados pela emoção gratificante de vencer os próprios limites, tanto do corpo, quanto da mente. A romaria teve um significado muito grande para mim, um saber-se vivo e capaz.


2 de fevereiro de 2015

Romaria Ciclística - Segundo dia – Silveiras x Aparecida

Grupo do Pedal
                O segundo dia de romaria começou às cinco da manhã, depois de uma ótima, e rápida, noite de sono. Sairíamos às seis horas de Silveiras, percorrendo 60 km até Aparecida. Dessa vez teríamos a companhia das meninas, já que o percurso do dia era mais suave e mais plano do que o pesadelo do dia anterior.
                Havia chovido muito na noite em que chegamos, deixando-nos preocupados quanto ao pedal até Aparecida, mas, por sorte, pela manhã apenas uma chuva fina caía, sem oferecer nenhum tipo de transtorno. Claro que algumas manifestações femininas se principiaram, mas não foram adiante.

      Saímos de Silveiras às seis da manhã, sob a chuva, sonolentos, mas com muito bom humor e animação. A temperatura estável tornou a primeira parte do pedal muito mais agradável. O tempo se pintava chuvoso e, não sendo um temporal, estava ótimo daquele jeito. Seguimos cerca de 20 km até Cachoeira Paulista, a cidade da Canção Nova, para tomarmos o desjejum de verdade. Chegamos à Pousada Imperial, onde tomaríamos o nosso café, como acontecia todos os anos na Romaria Ciclística. Porém, devido a forte chuva e alguma falha na comunicação, o proprietário não mais esperava por nós, que, famintos, aguardávamos para entrar.  Depois de uma rápida conversa entre o proprietário e Ricardo, o organizador do evento, o problema foi resolvido. Guardamos as bicicletas e fomos nos alimentar.
                Nesses momentos de tranquilidade, aproveitamos para conversar e estreitar ainda mais os laços com prazerosas conversas. Do nosso lado, o assunto ainda era sobre as bicicletas que bateram na entrada do túnel, porém agora com mais descontração. Depois de uma hora em Cachoeira Paulista, seguimos viagem; não antes de o Vítor Pereira furar o pneu de sua bicicleta novamente.
                O percurso entre Cachoeira e Aparecida foi o mais complicado da cicloviagem por entrarmos em vias urbanas diversas vezes. Disputar o espaço com os carros sempre gera um pouco de estresse e nós, cerca de trinta ciclistas, chamávamos bastante a atenção e, obviamente, incomodávamos alguns motoristas. Apesar de tudo, não tivemos nenhum problema durante a ida e pudemos chegar a Aparecida no horário estipulado. A emoção foi muito grande, mesmo eu não sendo religioso. Avistar a basílica foi um prêmio, uma vitória pessoal sobre todos os problemas e poder compartilhar desse momento com pessoas tão queridas foi sensacional.
                Ao chegar, nos dirigimos a um hotel (não me lembro do nome) para tomarmos banho e almoçarmos. Banho quente para as mulheres, chuveiro frio para os homens, numa casinha ao lado. Nada que estragasse o bom humor e o sentimento vitorioso. Almoçamos e fomos finalmente para a basílica.
                Particularmente achei a cidade de Aparecida feia, suja e bagunçada. Um contraste com a beleza do templo católico. Encantei-me com a grandiosidade da edificação, com a beleza arquitetônica, com as estátuas. O entorno merecia melhor dedicação, menos comércio, mais caridade; menos dinheiro, mais amor.

                A volta para Silveiras foi tranquila. Esperávamos a chuva forte, mas o que tivemos foi sol; não terrível e desgastante como o do primeiro dia, para nossa sorte. Durante uma boa parte do caminho permanecemos juntos, conversando, contando histórias, lembrando-se de antigas romarias e sendo felizes a nossa maneira: sobre a bicicleta.
Em certa altura, depois de Cachoeira Paulista, o grupo se dispersou. Alguns correram, disputando uma saudável corrida; outros acabaram ficando para trás. Carol, Eliete, Denise, Vinny, eu e mais alguns “cicloromeiros” ficamos no grupo intermediário até que Denise se cansou e diminuiu o ritmo em uma subida, distanciando-se de nós, já que Carol puxava a fila morro acima, querendo chegar logo a Silveiras.
Um pouco depois de nossa chegada, Vinny e Denise também chegaram. Ela havia caído. Mais um tombo na conta de nossa amiga. Denise desequilibrou-se exausta numa subida, caindo sobre o marido. Felizmente nada grave, mas desregulou a marcha e empenou a roda dianteira da Scale do Vinny, o que o deixou preocupado quanto ao dia seguinte, uma vez que da outra vez que havia participado da romaria, quebrou o quadro de carbono de sua V-works. A possibilidade de não completar a romaria nos deixou preocupados.

À noite, voltamos ao restaurante para o jantar e realizarmos nossa confraternização. A harmonia entre nós era imensa. O clima fraterno, as brincadeiras, a amizade, tudo era admirável. Eu, que debutava no grupo, só podia agradecer por estar ali presente ao lado de pessoas tão queridas e acolhedoras. Terminamos o dia com um sorriso verdadeiro no rosto e, apesar do cansaço, leves e serenos.
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25 de janeiro de 2015

Romaria Ciclística - Primeira Noite

Encontrando as meninas

                Como havíamos combinado ainda em Angra dos Reis, Carol, Denise e Eliete nos encontrariam em Silveiras, pois iriam pedalar somente no percurso do segundo dia de romaria. Antes de sairmos de Angra, deixamos uma série de recomendações para que a viagem delas transcorresse bem; principalmente o transporte das bicicletas... mas é claro que isso não aconteceu.
Carol, Denise e Eliete
                Esperávamos encontrá-las já em Silveiras, com os quartos da pousada alugados e prontos para nos receber cansados, exaustos e sujos; mas elas ainda não tinham chegado. Pedalamos o dia inteiro e chegamos antes delas! Como? Um pouco de estresse, mas Vinny e eu alugamos os quartos e esperamos por elas, que demoraram mais duas horas para chegar. Quando saíamos para o jantar com o grupo, encontramos com elas na entrada da Pousada dos Tropeiros.
                Ficamos parados por um instante. O cansaço, havia acabado de acordar, estava me pregando uma peça... O carro da Denise estava lá, elas estavam lá; mas onde estavam as bicicletas que deveriam estar presas no teto?! Vinny parecia ter os mesmos pensamentos confusos que eu. Onde estavam as bicicletas que elas trariam?! Mais alguns segundos aéreos, até que Carol deu aquele sorriso meio de lado, sem graça, típico de quem fez alguma besteira... Antes que ela dissesse mais alguma coisa, vi as rodas atrás do carro. Por quê?! O rack era de teto, pedi para o Paulinho, que não pode ir, colocar as três bicicletas no rack porque sabia que elas não conseguiriam e... Sim, meus amigos, elas tentaram passar pelo túnel da Japuíba com as bicicletas no teto... Por sorte o prejuízo não foi tão grande: guidão de carbono quebrado e uma roda transformada em 8, na Dabomb da Denise; Eliete teve o selim arranhado na Caloi Elite; o quadro arranhado na Soul da Carol; o Fit teve o teto amassado. Por sorte o “acidente” foi perto da bicicletaria de um amigo que as ajudou a ajeitar tudo para iniciarem a viagem.
Restaurante em Silveiras
          Choque passado, enquanto íamos ao restaurante, um temporal desabou, deixando-nos um tanto preocupados como a etapa do dia seguinte. Comemos e relaxamos. Logo depois, Ricardo, o organizador da romaria, deu algumas palavras sobre o sentido de estarmos ali.

                De volta à pousada, já refeitos do susto, só nos coube rir da desatenção das meninas e agradecer por não ter sido pior. Era já hora de dormir, pois acordaríamos cinco da manhã para mais um dia sobre o selim.

14 de janeiro de 2015

Romaria Ciclística - Passa Três X Silveiras

Dia dezenove de dezembro, às quatro da manhã, Vinny e eu saímos de Angra dos Reis para nos encontrarmos com os demais ciclistas romeiros que fariam a cicloviagem. Chegamos ao nosso primeiro destino um pouco antes das seis da manhã.
Estava ansioso e um tanto preocupado, afinal seria a minha primeira Romaria, minha primeira vez num percurso longo como aquele, minha primeira cicloviagem e o primeiro pedal para valer com a bicicleta nova. Era o meu debut, portanto nem consegui dormir direito, esperando o momento de pedalar com o grupo.
Já vestido com a camisa azul e branca do Grupo do Pedal de Passa Três, que me acompanharia por três longos dias, e o Garmin ligado, iniciamos o pedal até a saída da pequena cidade para uma oração de agradecimento e proteção antes de começarmos a percorrer o caminho. Dez para às seis da manhã, cinquenta minutos atrasados, os pneus rolaram no asfalto.
A primeira parte da cicloviagem seguiu cerca de quarenta quilômetros até Bananal, já no estado de São Paulo, onde fizemos uma parada para tomarmos café da manhã. O sol começava a surgir, mas ainda tínhamos o clima agradável ao nosso lado. Eu ainda me adaptava à nova bicicleta aro 29, que havia recebido no dia dezessete de dezembro e eu mal tivera tempo de experimentá-la. Cheguei mesmo a cogitar ir à Romaria com a antiga aro 26, mas Carolina já a estava preparando ao seu gosto, uma vez que ao comprar a Scott Scale, dei a ela a Soul SL.
Café tomado, continuamos pela Estrada dos Tropeiros em direção a São José do Barreiro, onde almoçaríamos e poderíamos descansar. Mas antes, havia muito chão para percorrer, e o sol, que parecia estar ao nosso lado, mostrou que não seria assim tão amigo. O calor ia aumentando a cada quilômetro, dificultando um pouco as coisas; como se não bastasse a quantidade de subidas e os quilômetros e mais quilômetros a percorrer.
Apesar dos conselhos para deixar minha mochila de hidratação no carro de apoio, pequei em insistir em levá-la comigo, pois não queria correr o risco de ficar sem água ou suprimentos. Quarenta quilômetros rodados, os três litros de água diminuíram no reservatório, mas pareciam pesar cinco quilos; as demais bugigangas guardadas na mochila pareciam somar mais outros cinco quilos. Eu já começava a ficar para trás, andar mais devagar, perdendo contato com o Vinny e outros conhecidos. O calor estava aumentando, sentia o suor escorrer pelo rosto, a luva pingava suor e o cansaço aumentava. Era uma alegria encontrar a Kombi do apoio, cheia de água gelada, bananas e muitas mochilas. Voltei atrás e também deixei a minha mochila de hidratação no carro, enchi a Polar e continuei, muito mais leve sem o peso inútil e sem o calor nas costas me incomodando. Era o alívio que precisava. Só tinha que tomar o cuidado para não tomar toda a água da garrafinha, pois só iria encontrar a Kombi, vinte quilômetros à frente.

Passamos por Arapeí com o sol nos castigando. Mas o clima entre nós era tão bom que nos mantínhamos bem, apesar das ondulações vistas no asfalto quente. Frequentemente me perguntavam como eu estava e sempre, sempre falavam que o depois do almoço iria encarar o Morro Frio. Claro que pensei que era uma espécie de trote, batismo, brincadeira por ser o calouro do ano. Não podia ser assim tão ruim; ruim é a subida do Pontal na volta de Mambucaba, pensava.
Antes das treze horas, chegamos a São José do Barreiro. Já não aguentava mais comer barrinhas de cereal e barrinhas de proteína. Finalmente iria comer de verdade! Ducha tomada, subimos ao restaurante para uma leve refeição; bacalhoada, salada fria e macarrão. Como havíamos nos atrasado na saída de Passa Três, reduzimos o tempo de descanso pós-almoço; o que não me fez bem. O sol, o calor, o asfalto quente e a noite muito mal dormida me deixaram fraco, e a glicose também não ficou muito bem depois do almoço. Tomei minha dose de insulina e deixamos São José do Barreiro.

Morro Frio

Um pouco revigorado pela ótima refeição, seguimos o caminho em direção a Areias. O sol à tarde era ainda mais forte, sem descanso e nada de sombra pela estrada. Nosso pelotão seguia junto, mas, à medida que os quilômetros iam passando, foi se separando, quebrando em pequenos grupetos. Fiquei para trás, pois já não rendia com noventa quilômetros rodados o mesmo do que com vinte quilômetros. Novamente me lembraram de que o Morro Frio estava próximo. E, cansado, não levei mais na brincadeira.
Carros de apoio no Morro Frio
Começamos a subida. Cerca de três quilômetros com sol na cabeça, sem nenhuma sombra e uma média de inclinação de sete por cento, categoria 3. Estava bem no começo, pensando que conseguiria chegar ao fim inteiro, apesar do esforço contínuo. Aos poucos, os companheiros de viagem passavam por mim. Aumentei um pouco o giro; mas girar nunca foi meu forte. Sempre fui um ciclista de força no pedal, preferia girar menos o pedivela, mas impor mais força, o que na Soul, aro 26, dava certo, mas na Scott, 29, impossível aguentar por muito tempo. Usar a coroa menor, 22 dentes, era vergonhoso até então, vá lá, no máximo a do meio, 32 dentes e subindo o número do cassete. Tive que aprender a girar na marra. Coroa de 20 dentes e cassete subindo marcha. Girava, girava, e quase não saía do lugar. Subia a coroa e as cãibras ameaçavam a chegar. Comecei a duvidar de que alcançaria o final da subida, quiçá chegar a Silveiras.
O suor escorria forte pelo rosto, pingava no quadro da bicicleta como uma torneira gotejando. O calor e o esforço me deixavam tonto, as forças iam sumindo cada vez mais rápido, as pernas falhavam, não giravam, só doíam. Mas não iria desistir ainda, abaixei a cabeça e continuei a escalada. Quando avistei a Kombi de apoio parada perto da placa de Areias, pensei que era uma miragem. Parei. Pálido, exausto, sem forças nem para falar, desabei num banco, mal conseguindo respirar. Ainda me recompunha quando me perguntaram se eu iria desistir. Dois dos nossos romeiros já tinham guardado suas bicicletas no rack e seguiam num dos carros de apoio. Eu não queria acompanhá-los. Levantei-me, montei na bicicleta e continuei a subida.
Fiquei para trás, era o último, estava sozinho. Sozinho contra o vento, contra o cansaço, contra o asfalto quente, contra um caminho desconhecido, mas continuava a pedalar com toda a minha determinação. Os carros de apoio me ultrapassaram e sumiram de vista, logo depois foi a vez da Kombi. O vento aumentou. A bicicleta ficou mais pesada, os pedais endureceram, minhas pernas travavam de dor e exaustão. Minha velocidade caiu de trinta quilômetros por hora para vinte, quinze por hora. Pensei em acenar para o apoio que sumia do meu campo de visão e pedir por um espaço para minha bicicleta e um banco para me levar. Ela subiu mais uma elevação e desapareceu.
Parada em Areias, depois de sofrer o Morro Frio
Pouco depois, para minha felicidade, encontrei-a no ponto de parada com os demais companheiros. Desabei, vitorioso. Havia vencido o Morro Frio, lutei contra o monstro colossal e sobrevivi. Mas depois de cento e dez quilômetros percorridos, e uma escalada horrível, estava ferido.
Recompostos, partimos para os últimos quilômetros. Nosso destino do primeiro dia estava a menos de trinta quilômetros e... muitos morros. O despreparo me pregou mais uma peça. Não havia só a escalada em Areias, o fim do percurso era feito de altos e baixos. Subidas que, naquela situação, eram intermináveis, minavam minhas forças. Alguns companheiros me acompanharam os pedais lentos, o giro sofrido das pernas como pistões prestes a estourar. Era sofrível para mim. Uma forte angústia me tomou e eu me questionava o que estava fazendo ali, sofrendo daquele jeito, sentindo as pernas arderem, o suor pingar no chão, a cabeça pesando toneladas. Simples, sofremos porque amamos pedalar.
Nos últimos quilômetros havia mais uma escalada. Vinny, Valdeí e Luciano revezavam-se para me ajudar, empurrando-me na subida e me acompanhando na descida. Minha respiração há muito deixara de ser ritmada e constante. O coração parecia que em poucos minutos explodiria. Não aguentava mais... era a hora de pendurar a toalha e aceitar que perdi a batalha. Não conseguia mais pedalar, estava tonto demais para me manter equilibrado. Antes que eu pudesse pensar, Vinny pegara a minha bicicleta e a empurrava morro acima. Eu entrei num dos carros de apoio e lamentei a derrota tão perto do fim...
Não. Eu não aceitaria fácil a derrota. Não pedalei cento e vinte cinco quilômetros para desistir daquela forma. Desci do carro alguns metros depois, montei na bicicleta novamente e continuei meu suplício até ver a cidade de Silveiras se aproximando.

Muitos pensam que o ciclismo é um esporte individual, mas não é. O coletivo é muito importante. Não fosse a grande ajuda dos companheiros de viagem, com palavras de incentivo, com auxílio necessário para me manter em movimento, não teria conseguido percorrer os cento e quarenta quilômetros que separam Passa Três de  Silveiras.

24 de dezembro de 2014

Romaria Ciclística 2014 - O começo

            
Vinny e Alberto
 
Desde o começo do ano, escuto alguns amigos falarem sobre a Romaria Ciclística de Passa Três a Aparecida do Norte, algo em torno de 400 km em três dias, pedalando muito e dormindo mal. A empolgação com que falavam sobre o evento era desconfiável, mas, nítida em seus olhos, a satisfação de concluir o evento anual do calendário ciclístico amador da região. Comentários como: “é duro”, “é sofrido”, “é desgastante” contrastavam com “é muito bom”, “vai querer voltar”, “é uma experiência mágica”, deixavam-me confuso sobre a minha possível, e improvável, participação entre os romeiros.
            Os meses foram passando e os treinos se intensificando. A evolução sobre a bicicleta começou a fazer diferença quando, principalmente, os dois dias semanais de treino passaram a ser cinco; quando os 50km de ida e volta ao Frade se tornaram comuns e os 30km do Contorno, com suas subidas enjoadas, apenas uma voltinha para passar o tempo. Ainda havia, e há, muito a melhorar, mas em vista daquele que iniciou o ano sem muitas perspectivas e o que termina, pensando se vai ou não encarar o Festive 500 e quantos quilômetros do Audax vai enfrentar, muita coisa mudou.
           
Carol, Denise e Eliete
Algumas vezes conversamos sobre a participação na romaria e, com esse meu jeito impulsivo, disse que estava dentro. Antes que pudesse voltar atrás, já estávamos fazendo planos e planilhas de treino para melhor nos prepararmos para o evento. Ainda, inocentemente, achava que era fogo de palha e logo teria uma boa desculpa para destravar a sapatilha e permanecer na rotina. Mas não foi bem assim que aconteceu. As meninas, Carol e Denise, se empolgaram com a viagem, mesmo não percorrendo todo o trajeto. Não houve jeito, Vinícius e eu começamos os preparativos e treinos, focando na cicloviagem. Quando nos demos conta, já era véspera da romaria e a aventura pronta para começar.

1º dia: Passa Três x Silveiras – 140km
2º dia: Silveiras x Aparecida – 120km
3º dia: Silveiras x Passa Três – 140 km


1 de junho de 2013

Mobilidade

Reclamamos do trânsito de Angra dos Reis todos os dias. E não é por menos, o número de automóveis cresceu, o número de vagas diminuiu, as vias não mais sustentam o contingente a que é submetida. E os resultados? Congestionamentos constantes, procuras intermináveis por um local para estacionar e, inevitavelmente, acidentes. O governo incentiva o povo a comprar carros, mas não se preocupa com as vias nacionais. Afirmo diariamente que Angra não suporta mais carros.

As soluções para o problema existem, mas sempre há um custo. Construir edifícios-estacionamentos, aumentar as vias, instalar semáforos em pontos cruciais da cidade, investir na qualidade do trânsito e principalmente em educação.

Existem outras possibilidades, como o uso do transporte público. Para tal, é preciso que a cidade ofereça um serviço de qualidade, que respeite horários, dê conforto e segurança aos usuários. Em Angra, caminhamos para trás e vemos o caos se instalar.

O problema não existe só no centro da cidade, espalha-se por todos os bairros. Mas é justamente nesses bairros, muitas vezes vistos como problemas sociais, que os exemplos aparecem.

No bairro mais populoso de Angra, a solução para a precariedade do transporte é o uso da bicicleta. Mais do que uma brincadeira infantil ou lazer, as bicicletas são encarregadas de levar o trabalhador ao seu local de trabalho, transportar as crianças para a escola, acompanhar as mulheres ao mercado e diversas outras atividades. Os carros e as bicicletas convivem. 

É claro que deveria haver um investimento em educação para o trânsito a fim de corrigir alguns erros cometidos por desconhecimento de normas e leis. Mas as coisas funcionam, as pessoas se locomovem e ainda há vagas para estacionar. 

Deveríamos deixar os carros em casa mais vezes e buscar alternativas melhores para a nossa vida.

Alberto da Cruz

2 de janeiro de 2013

Prometo que...


Começamos um novo ano. Mas qual a diferença entre o último dia do ano passado para o primeiro dia do novo ano? É apenas o início de um ciclo que terminará da mesma forma que todos os outros. É correto então esperar pelo primeiro dia de janeiro para que se mude a vida, enquanto os dias que antecedem a grande festa da virada sejam repletos de vícios e erros?

Para mudar não é preciso esperar que o número final do calendário seja outro. Para mudar não é necessário empurrar as falhas mais adiante como forma de aproveitar o que sabemos ser errado por mais tempo. E as promessas de fim de ano, em geral, não se cumprem justamente por isso, por esperar tempo demais e gozar de mais tempo os males que devemos abandonar. Mudemos já!

Todos os anos faço promessas, não sou diferente de ninguém. Quantas vezes já disse que pararia de fumar no “ano que vem”? Mas esse ano nunca veio, e continuava a comprar maços e isqueiros. Quantas foram as vezes em que disse começar a dieta e ter uma vida saudável a partir de janeiro, sem que conseguisse evitar as guloseimas e gorduras que se estendiam das ceias? É um costume ruim esse nosso, adiar as transformações, iludindo-nos anualmente.

Faremos diferente, nada de esperar. Se vamos mudar nossas vidas, que seja agora. Não faremos um ano melhor, faremos, sim, uma vida melhor de hoje em diante, só por hoje, em todos os hojes do nosso amanhã.

28 de dezembro de 2012

Do amor quando se apaga


Estou agora ouvindo Todo o Sentimento, de Chico Buarque, e me parece que a dor aumenta à medida que meu sentimento é sangue escorrendo pela ferida exposta e dolorida. O amor quando se torna dor é um insuportável lamentar sem fim, o amor quando não há o ser amado é uma queda brusca no abismo do eu. 

Meu amor foi embora, ou eu o perdi na luta vã do cotidiano ignorante. Foi para não voltar, batendo a porta, sem dizer adeus. Ficou a lembrança daqueles dias azuis, mas que agora são cinzas, enevoados pela ausência que seca a alma e transborda os olhos, cheios de imagens antes cristalinas. 

É incrível pensar que antes sentido havia, mas agora a vida é, no mínimo, vazia. O jarro de flores mortas anda seco, a divina estrela d’aurora não brilha mais, a pomba branca, que antes voava altiva, esfacelada, chora. Como pode arrebentar as ondas quando ontem o mar era calmo? Como pode naufragar o barco que seguia em segurança pelos mares tranquilos?

Enfim, tudo acabou, eu acabei. No fim, o corpo doente é puxado para baixo com força. Abre-se a cova rasa para me cobrir com a terra pesada. A chuva são minhas lágrimas com desespero vertidas.

15 de dezembro de 2012

Mudar a vida



A vida muda num piscar de olhos, sepultando os sonhos que moviam o mundo. Criamos esperanças de que a sorte finalmente nos acolheu, mas eles morrerem numa rapidez exorbitante. Num piscar de olhos tudo muda. E a mudança não é nada agradável ao coração que sofre. Uma brutal dor nos devaneia a consciência, faz estremecer o corpo, tremerem as pernas de tal maneira que a queda é tudo o que podemos esperar. Não há no mundo sofrimento maior para o amante do que ter arrancado de si o seu objeto amado. A ausência sôfrega nos leva ao precipício infernal. Se não queremos nos atirar na escuridão amarga, é ela quem nos puxa com a promessa de findar o que nos faz gritar de desespero e desilusão fatal.

     

Muda-se a vida, mas a alma não quer mudar. Ela permanece presa no espaço incansável da paixão, mesmo ferindo num ardor profano e arruinado, não queremos que a chama se apague, forçando-nos a esquecer os momentos de um passado errado. Aceitar a mudança nunca é fácil quando não se quer mudar; quando se acredita piamente que ainda há chances, mesmo que remotas, de salvar o que não tem salvação. Encarar a realidade dos fatos é tarefa difícil para quem não consegue se libertar das amarras de um sonho intenso e devastador.

As lágrimas se esboçam quando olhamos a cama vazia. Rolam quando vamos deitar e não há a quem dizer boas noites. Despencam ao acordar e não haver para quem dizer bons dias. O peito abandonado se comprime, arfa num movimento tresloucado que nos corta o ar. Vazio o quarto, vazia a vida. Mudar é preciso, mas como, se não há razões para enfrentar a luta bárbara pela sobrevivência? Não adianta dizerem que é preciso. Precisamos é da volta de quem nos virou as costas, atravessou a porta e partiu de nossas vidas, impregnando-as de um negrume assustador.
     
Mas não há ilusão por mais que queiramos que ela exista. Quem partiu deixou-nos no acalento mórbido da solidão; quem se foi nos condeno ao martírio sem fim da loucura. 

Mudar! Mas o que há para mudar, quando nem mesmo podemos ver além das nuvens carregadas de lágrimas e trovões que gritam à nossa dor?


Alberto da Cruz

21 de setembro de 2012

Mormaço


Devagar, os olhos no espelho fitavam a imagem da tristeza, um abismo de sentimentos e de sonhos perdidos na memória. Observa-se em silêncio, procurando a sombra da alegria que um dia lhe desenhou o rosto com multicores. Só há o cinza no olhar vazio, absorvido por uma tristeza real, sem disfarce, pura em seu íntimo sôfrego. Não é mais o rosto que conhecia, e ainda pensava ter. É um estranho naquele corpo, um outro que lhe tomou o lugar. E ele o aceita, não luta para voltar a ser quem foi, a sombra o tomou, instalou-se. E ele pensou: tudo bem.

Havia graça na vida. Havia; hoje, não mais. As mãos lavam o rosto, mas não trazem quem se foi. A água passa pelas suas marcas, escorrem nas rugas e caem negras na pia, mas o rosto continua sujo, não por fora, mas internamente em sua consciência pesada. Por que se deixou morrer; pergunta-se indiferente. O espelho não responde.

O calor o enlouquece. A camisa manchada de suor lhe encharca o peito e as costas. Ouve, ao longe, o girar do velho ventilador ineficaz e enche as mãos de água; passa-as no pescoço, depois nos olhos marejados. O mormaço o deprime, força o pensamento para o passado, empurrando-o ao desespero do coração partido. Não há mais nada.



Alberto da Cruz